Outras Atividades

PORTO&VIRGULA:
Porque uma cidade também se constrói com idéias
Susana Gastal

 Num contexto em que as revistas e jornais culturais têm pouca duração, é muito bom saudar o 35º número de Porto&Virgula. Que mais não seja, este número já é um sucesso. Mas, neste período de 13 anos – o número zero circulou em setembro/outubro de 2000 – com certeza, Porto&Virgula fez bem mais do que sobreviver.
Para pensar o contexto em que a revista foi criada, é necessário voltar ao próprio contexto de surgimento da Secretaria Municipal da Cultura. A SMC foi resultado da brilhante articulação do professor Joaquim José Felizardo que, como diretor da antiga Divisão de Cultura (ligada a Secretaria de Educação), realizou toda costura política na Câmara de Vereadores e na comunidade cultural, para que a proposta se tornasse realidade. Talvez não seja demais relembrar aqueles muito jovens que talvez estejam lendo estas linhas, que, se hoje a presença de uma secretaria da Cultura é uma idéia que pode parecer até óbvia na sua pertinência, esta obviedade não se colocava no final dos anos 1980 quando, para o senso comum, cultura ou seria uma ampliação da atividade didática – logo, não teria porque desvencilhar-se da Educação – ou seria um exercício burguês e elitista, para o qual o poder público não precisaria contribuir com mundos e fundos. O trabalho tranqüilo do professor Felizardo reverteu as duas vertentes, e o projeto de criação da SMC foi tranqüilamente aprovado pelos vereadores e pela comunidade.
Coube a administração seguinte, a tarefa de dar maior consistência àquilo que ainda, e em muito, era um belo projeto nascido no interior da própria Divisão de Cultura, pelo trabalho competente da sua equipe de funcionários. Aos poucos, as coordenações de Música, Artes Cênicas, Memória, Artes Plásticas, Livro e Literatura, foram dizendo ao que haviam vindo.
Em 1990, o secretário era Luiz Paulo de Pilla Vares, com uma carreira reconhecida como jornalista. E o jornalista sabia que, por mais que as diferentes áreas culturais concretizem uma competente política cultural, é indispensável que os diferentes fazeres ganhem espaço de reflexão, para que se constituam enquanto ferramenta plena de crítica ao momento social em que estejam inseridos.
Nos 1990, Porto Alegre ressentia-se da falta de um periódico cultural, onde esta reflexão cultural-para-além-do-cultural, fosse realizada. Havia nostalgia do antigo Caderno de Sábado, do Correio do Povo, e o suplemento Cultura, de Zero ainda não começara a circular. Revistas como Aplauso e outras, nem pensar... Neste contexto, Pilla Vares pediu o projeto de uma publicação que, como ele registrou no editorial do número zero, fosse «capaz de refletir e incentivar a cultura de nossa cidade». Uma revista não ideológica, mas sem medo de ser política, «uma trincheira contra a imbecilidade e a passividade», como Pilla Vares conclui no editorial.
A formação do primeiro Conselho Editorial mostra a diversidade da composição da revista. Lá estavam Celso Loureiro Chaves, Assis Brasil, Tau Golin, Tuio Becker, Antonio Hohlfeldt, Luis Custódio, Sandra Pesavento e Vasco Prado, entre outros. Participar das reuniões do Conselho, foi um privilégio. Aliás, o Conselho teve papel fundamental na própria estruturação da proposta editorial e no batismo da publicação: o nome Porto&Virgula surgiu de um brainstorm coletivo, mas que teve dois participantes mais afiados: Antonio Assis Brasil e Celso Loureiro Chaves. Na idéia porto, e vírgula, justamente, a idéia de introduzir na cidade o momento de parada, para a reflexão e o debate cultural.
Depois, durante os quase dez anos em que o projeto Porto&Virgula esteve sob a responsabilidade de nossa equipe, na Coordenação do Livro, a preocupação se manteve a mesma: manter um espaço de idéias, de diversidade onde, a grande vedete, seriam as idéias, pensando os fazeres culturais de Porto Alegre para além deles mesmos, na certeza que uma cidade também se constrói com idéias.
Porto&Vírgula tem lutado para manter-se fiel a esta vocação.   


Baixo Petrópolis
Susana Gastal


As cidades crescem e seus bairros vão se tornando, aos poucos, ilhas com características próprias. Os moradores destes locais costumam ser, literalmente, bairristas: apaixonados, não os trocam por nenhum outro. Em Porto Alegre, perguntem ao morador do Bonfim, da Cidade Baixa, do Menino Deus, de Ipanema ou do Moinhos de Vento, se trocariam seu bairro por qualquer outro. Às vezes até trocam, mas não sem algum pesar.

Pois, em Porto Alegre começa a se caracterizar um bairro do qual vocês, talvez, ainda não tenham ouvido falar. Ele envolve a baixada que tem, numa das pontas, a Av. Protásio Alves e, na outra, a Av. Ipiranga (altura do Bourbon e do CTG 35). As outras delimitações são criadas pela Barão do Amazonas e pela Salvador França. Estas avenidas e suas adjacências criaram fronteiras em cujo interior começa a se constituir uma cultura própria.

Por que cultura própria? Em primeiro lugar, há muita atividade física: além dos caminhadores, tão ao gosto da cidade, ali está o campus da Escola de Educação Física da UFRGS e do Parque Ararigbóia, este da Prefeitura, incentivam o exercício físico e a um convívio comunitário muito especial. A pista de corrida da ESEF, nos finais de tarde de verão, é tão concorrida como os calçadões do litoral. Mas há mais, pelo bairro, de academias de yoga a escolas de dança de salão. Estas, às vezes, sem placas a identificá-las, pois todo mundo as conhece.

O Baixo Petrópolis também tem muito verde. Há o Jardim Botânico, que espalha os pássaros que abriga e alimenta por todo bairro. Há o túnel verde da rua Saicã. Há várias floriculturas. Verde também é o segmento da feira ecológica da José Bonifácio que fica no bairro: simpático, todo sábado o seu José nos abastece de verduras, frutas, grãos e outras delícias, sem agrotóxicos. Ao tempo de uma caminhada de poucas quadras, há tudo que se precisa, de posto dos Correios a cinemas, e toda gama dos velhos e bons serviços: o sapateiro e o chaveiro para as emergências, a costureira para as bainhas e trocas de fechos, o armazém que ainda vende no caderno, a casa de molduras, o E Vídeo Levou com a simpatia do Álvaro, e o Tia Zefa, imbatível nos seus lanches.

Precisa mais, para um bairro ser muito especial? É claro que este é o local que mais gosto em Porto Alegre.




[1] Jornalista. Professora dos cursos de Turismo da UCS e da PUCRS.